quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Continho

Eu me lembro bem desse episódio!
Aconteceu lá por volta de 1991, ano de grandes descobertas. Ouvia-se os primeiros rumores do que hoje é a internet e a guerra fria estava esfriando. Faltava exatamente um dia para o meu aniversário de 16 anos. Nunca gostei de comemorar aniversário. Minha mãe insistia em fazer um bolo para os amigos mais próximos ou um almoço, mas eu sempre dispensava a idéia, nunca fui muito carismático. Era noite já, tinha de ir cortar o cabelo. Desde criança corto o cabelo no mesmo lugar, já naquela época eu era um dos clientes mais antigos, segundo o 'Gordo', o cabeleireiro. De gordo ele não tinha nada, era um rapagote forte e dos olhos azuis, sempre achei que ele poderia ser modelo ou algo assim, uma pessoa atípica para uma profissão como essa. Mas acho que ele tirava um bom dinheiro, pelo menos o suficiente para ir aos bares e conversar coisas impróprias para menores. Havia mais duas pessoas na minha frente. O Gordo tinha colocado uns docinhos do tipo 'nego bom' para os fregueses, o que me rendeu o que mastigar enquanto esperava. Os doces tinham o gosto da mercearia da minha avó.
Os dois que estavam à minha frente na fila deviam ter seus 40 anos. Um deles eu não vi direito, o outro trabalhava numa loja de pneus, o nome estava grudado na farda da empresa. Era relativamente jovem para a idade. Na televisão passava uma novela qualquer, nunca tive saco pra televisão. Fora que os programas naquela época eram um saco. Quando menos espero, inicia-se um diálogo:

- Rapaz, mulher é bicho complicado. Passei 15 anos casado com uma, tive três filhos com ela, me separei por que me apaixonei por outra. Com essa outra passei 9 anos da minha vida, até que com a mudança de governo ela teve de voltar pra Garanhuns. Faz seis meses que tô com outra, que me ama e me quer bem, mas eu quero ela não, sabe?
E a outra lá descobriu e mandou uma carta dizendo que chega essa semana.

Havia algo no coração dele que realmente mostrava ser sincero o sentimento. E a julgar pelo fato de ser um fim de mês beirando um fim de semana, ou ele estava cortando o cabelo pra viajar, o que era improvável levando em consideração sua cara de cansado, ou ele estava se preparando pra algum acontecimento pessoal. Das duas, a última era a correta. Eu não tinha a mínima experiência comparado a dois casamentos. Pude só ouvi-lo. Eu disse a ele que estava num impasse parecido, mas nada tão importante quanto a situação dele. Foi legal vê-lo saindo com o cabelo cortado e uma esperança. Ele realmente gostava dela. "Faça o que for certo pra você" foi a única coisa que consegui dizer.

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